O humor nosso de cada dia!
Para meus alunos do 8º ano – A,B,C
Sopa de macarrão
Domingos Pellegrini
O filho olha emburrado o prato vazio,
o pai pergunta se não está com fome.
— Com fome eu tô, não to é com vontade
de comer comida de velho.
Lá da cozinha a mãe
diz que decretou ― De-cre-tei! — que ou ele come legumes e verduras, ou vai
passar fome.
— Não quero filho meu
engordando agora para ter problemas de saúde depois. Só quer batata frita e
carne, carne e batata frita!
Ela vem com a
travessa de bifes, o pai tira um, ela senta e tira o outro, o filho continua
com o prato vazio.
— Nos Estados Unidos
— continua ela — um jornalista passou um mês comendo só fastfood, engordou mais
de seis quilos!
— E como é que ele
aguentou um mês só comendo isso?! — perguntou o pai, o filho responde:
— Porque é gostoso! —
E pega com nojo uma folhinha de alface, põe no prato e fica olhando como se
fosse um bicho.
A mãe diz que é
preciso ao menos experimentar para saber o que é ou não gostoso, e o pai diz
que, quando era da idade dele, comia cenoura crua, pepino, manga verde com sal,
comia até milho verde cru
— E devorava o cozido
de legumes da sua avó! E essa alface? Pra comer, é preciso botar na boca..
O filho enfia a
alface na boca, mastiga fazendo careta, pega um bife, a mãe pula na cadeira,
pega o bife de volta:
— Não-senhor! Só com
salada pra valer, arroz, feijão, tudo!
— Ele continua
olhando o prato vazio, até que resmunga:
— Se vocês sempre
comeram tão bem, como é que acabaram barrigudos assim?
O pai diz que isso é
da idade, o importante é ter saúde.
— E você, se
continuar comendo só fritura, carne, doce e refrigerante, na nossa idade vai
pesar mais de cem quilos!
— No Japão — resmunga
ele — podia ser lutador de sumo e ganhar uma nota.
— E no Natal —
cantarola a mãe — vai ser Papai Noel né? E Rei Momo no carnaval...
— Não tripudie — diz
o pai. — Ele ainda vai comer de tudo. Quando eu era menino, detestava sopa. Aí
um dia minha mãe fez sopa com macarrão de letrinhas, passei a gostar de sopa!
O filho pergunta o
que é macarrão de letrinhas, o pai explica. Ele põe na boca uma rodela de
tomate, o pai e a mãe trocam um vitorioso olhar. O pai faz uma voz doce:
— Está descobrindo
que salada é gostoso, não está?
— Não, peguei tomate
para tirar da boca o gosto nojento de alface, mas acabo de descobrir que tomate
também é nojento.
— Mas catchup você
come não é? Pois é feito de tomate!
— E ele também não
come ovo — emenda a mãe — mas come maionese, que é feita de ovo!
O filho continua
olhando o prato vazio.
— Coma ao menos
feijão com arroz — diz o pai.
Ele pega uma colher
de feijão, outra de arroz dizendo que viu um filme onde num campo de
concentração só comiam assim pouquinho, só o suficiente pra sobreviver...
Mastiga tristemente, até que o pai lhe bota o bife no prato de novo, mas a mãe
retira novamente:
— Ou salada ou nada!
Sem chantagem sentimental!
O pai come
dolorosamente, a mãe come furiosamente, o filho olha o prato tristemente.
Depois a mãe retira a
comida, ele continua olhando a mesa vazia. Na cozinha, o pai sussura para ela:
— Mas ele comeu duas
folhas de alface, não pode comer dois pedaços de bife?!...
Ela diz que de jeito
nenhum, desta vez é pra valer; então o pai vai ler o jornal, mas de passagem
pelo filho, pergunta se ele não quer um sanduíche de bife — com salada, claro.
Não, diz o filho, só quer saber de uma coisa da tal sopa de letras. O pai se
anima:
— Pergunte, pergunte!
— Você podia escrever
o que quisesse com as letras no prato?
— Claro! Por que, o
que você quer escrever?
— Hambúrguer,
maionese e catchup
É teimoso que nem o
pai, diz a mãe. Teimoso é quem teima comigo, diz o pai. O filho vai para o
quarto, só sai na hora da janta: sopa de macarrão. Então, vai escrevendo, e
engolindo as palavras: escravidão, carrascos, nojo, e enfim escreve amor, o pai
e mãe lacrimejam, mas ele explica:
— Ainda não acabei,
tá faltando letra pra escrever: amo rosbife com batata frita...
Domingos Pellegrini
– Crônica brasileira contemporânea. São Paulo:
Salamandra, 2005.
P.210-3.)
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